O Bloco de Esquerda (BE), um dos partidos que apoia o actual governo socialista de Portugal, instou hoje o primeiro-ministro, António Costa, a falar pela “libertação” dos “presos políticos” em Angola condenados esta semana, com o chefe do Governo a limitar-se a reiterar a posição já emitida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Por Orlando Castro
“Estes activistas são presos políticos. Estamos num debate no Parlamento português, casa da liberdade e da democracia. Este é o lugar para o primeiro-ministro deixar uma palavra clara pela libertação dos presos políticos de Angola”, sublinhou a porta-voz do BE, Catarina Martins, dirigindo-se a António Costa na recta final da sua intervenção no debate quinzenal desta tarde.
António Costa, na resposta, disse que “tendo em conta a limitação de tempo” que dispunha – e que já havia ultrapassado, restava-lhe apenas ler e “reafirmar” a posição já tida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE).
A bloquista referia-se à notícia de segunda-feira de que um tribunal de Luanda condenou a penas entre dois anos e três meses e oito anos e seis meses de prisão efectiva os 17 activistas angolanos que estavam desde 16 de Novembro a ser julgados por co-autoria em supostos e não provados actos preparatórios para uma rebelião e associação criminosa.
“Angola é uma ditadura”, prosseguiu Catarina Martins, registando que Portugal já disse estar a acompanhar o caso pelos canais diplomáticos.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros comentou na segunda-feira a condenação a prisão efectiva de 17 activistas angolanos, afirmando que o Governo português “tomou boa nota” da intenção expressa pela defesa de recorrer da decisão judicial.
“Tomamos boa nota da comunicação, pela defesa, da intenção de interpor recurso judicial em face da gravidade e dimensão das penas hoje decididas pelo tribunal de primeira instância; e confiamos que a tramitação do processo, nos termos previstos na legislação angolana, obedeça aos princípios fundadores do Estado de Direito, incluindo o direito de oposição por meios pacíficos às autoridades constituídas”, lê-se na nota do MNE, hoje lida no parlamento pelo primeiro-ministro.
O MNE referiu ainda na sua nota no começo da semana que “o Governo português acompanhou pelos canais diplomáticos adequados, quer no plano bilateral, quer no quadro da União Europeia, o processo judicial conduzido, em Luanda, pelas autoridades competentes, relativamente às acções de 17 cidadãos angolanos, um dos quais detém também nacionalidade portuguesa”.
Importa, neste contexto, repetir (e repetimos sempre que necessário pois, ao contrários do que pensam os sucessivos governos portugueses e o dono de Angola, a verdade não prescreve) que os partidos portugueses PSD, CDS-PP e PCP rejeitam qualquer tipo de condenação sobre a “repressão em Angola”. A favor só mesmo BE. Quanto ao PS, flutua consoante os interesses momentâneos, mas nunca hostilizando o regime de José Eduardo dos Santos.
Como se tornou regra em Angola, também no prostíbulo político português, a palhaçada tomou conta dos areópagos lusitanos, isto sem culpa dos palhaços propriamente ditos.
Recentemente foi debatido no Parlamento português um voto de condenação apresentado pelo Bloco de Esquerda sobre a “repressão em Angola” e com um apelo à libertação dos “activistas detidos”.
Este voto do BE contou (para além da oposição do PSD, CDS e PCP e abstenção do PS) ainda com o apoio de seis deputados socialistas (Alexandre Quintanilha, Isabel Moreira, Inês de Medeiros, Isabel Santos, Pedro Delgado Alves e Wanda Guimarães), além do representante do PAN (Pessoas Animais e Natureza).
“É preciso travar e dar por finalizado este arrastado processo que visa intimidar, deter e punir aqueles que criticam a governação de José Eduardo dos Santos, que tem tido interferência directa ao longo de todo o processo, dando ordens no sentido de prolongar indefinidamente as audiências”, referia-se no voto da bancada bloquista.
O PCP (irmão gémeo do MPLA) demarcou-se totalmente desta iniciativa do Bloco de Esquerda, apresentando uma declaração de voto na qual se advertia que outras forças políticas “não poderão contar” com os comunistas “para operações de desestabilização de Angola”. E quem diz em Angola diz, por exemplo, na Coreia do Norte.
“Reiterando a defesa e a garantia das liberdades e direitos dos cidadãos, cabe às autoridades judiciais angolanas o tratamento de processos que recaiam no seu âmbito, de acordo com a ordem jurídico-constitucional, não devendo a Assembleia da República interferir sobre o desenrolar dos mesmos, prejudicando as relações de amizade e cooperação entre o povo português e o povo angolano”, lê-se na declaração de voto apresentada pela bancada ortodoxa, marxista, leninista, acéfala e canina do PCP.
Por outro lado, com a abstenção do PSD e do CDS-PP, a Assembleia da República aprovou um voto apresentado pelo Bloco de Esquerda de condenação pela morte de três activistas curdas e feministas Sêvê Demir, Pakize Nayir e Fatma Uyar na sequência de uma operação militar turca.
“A Assembleia da República expressa o seu mais profundo pesar por este triste acontecimento e presta homenagem às vítimas, suas famílias e ao povo curdo e repudia todos os atentados contra a liberdade e os direitos humanos na Turquia, como em qualquer outro país do mundo”, lê-se no voto aprovado pelo Parlamento.
Para além de pôr de joelhos e de mão estendida políticos como José Sócrates, Passos Coelho, Paulo Portas, Jerónimo de Sousa e Cavaco Silva, José Eduardo dos Santos juntou agora ao seu séquito e de forma oficial o primeiro-ministro António Costa. De forma oficiosa, por enquanto, também lá está Marcelo de Rebelo de Sousa.
O processo português de bajulação do dono de Angola começou, de facto, há muito tempo. Recorde-se, por exemplo, que o presidente da Assembleia da República de Portugal, Jaime Gama, elogiou no dia 17 de Dezembro de 2007, em Luanda, a política externa angolana e deu os “parabéns” ao país pela “ambição” de um papel cada vez maior no continente africano e no Atlântico Sul.
“Um país com estas capacidades, aliando o seu potencial económico à sua diplomacia criativa e à capacidade militar, tem que ter uma ambição regional. Parabéns Angola por ter uma ambição regional!”, felicitou o socialista Jaime Gama num discurso aplaudido e que, mais coisa menos coisa, poderia ter sido feito por um qualquer deputado da maioria, ou seja do MPLA.
E disse, com nova revoada de aplausos das bancadas do Parlamento, que Angola “olha de igual para igual” para os principais protagonistas do Atlântico Sul, como o Brasil, Argentina ou África do Sul: “Parabéns Angola por olhar para o Atlântico Sul.”
O discurso apologético de Jaime Gama poderia, igualmente, ter sido feito por qualquer um dos actuais palhaços que estão na ribalta dos areópagos políticos, partidários e parlamentares de Portugal. A única excepção é mesmo o Bloco de Esquerda.
No capítulo das relações bilaterais, Jaime Gama salientou na altura o crescendo do investimento português em Angola, cujo mercado tem um lugar especial nas empresas portuguesas que procuram a sua internacionalização, e apontou o igualmente significativo investimento angolano em Portugal em áreas como a banca, a energia e outras que se (des)conhecem.
Jaime Gama depositou uma coroa de flores no monumento a Agostinho Neto, suposto fundador da nacionalidade angolana e primeiro presidente do país com a ajuda, entre outros, de russos, cubanos e – é claro – portugueses.
Com todo este suporte bajulador, Eduardo dos Santos continua a encher o peito e a garantir que os angolanos não vão deixar que “os mentirosos, os demagogos e os caluniadores cheguem ao poder”.
“Aqueles que teimam em fomentar agitação, instabilidade e negar o que toda a gente tem diante dos olhos terão a devida resposta nas urnas”, avisou José Eduardo dos Santos. E se não for nas urnas eleitorais será nas urnas funerárias.
Também o mediático sipaio do regime, general Bento dos Santos Kangamba, sobrinho do presidente vitalício da reipública, disse que “as pessoas são as mesmas, tirando duas figurinhas bonitinhas que estão a aparecer aí no Bloco de Esquerda. Mas as pessoas que foram contra Angola são as mesmas [agora]. Eles acham que Angola até hoje é escravo, que nós somos escravos de Portugal (…) não podemos ser ouvidos e que Portugal é que manda, que Portugal é que diz e que Portugal é que faz. Os portugueses têm que saber que Angola é um Estado soberano”.
Mas, afinal, quem são os mentirosos, demagogos e caluniadores? De uma forma geral são todos aqueles que não alinham no MPLA. São, por isso, todos aqueles que dizem que em Angola todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos há angolanos que morrem de barriga vazia, que 70% da população passa fome, que 45% das crianças angolanas sofrem de má nutrição crónica, e que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos ou que – como revelou a Transparência Internacional – Angola está agora entre os seis países considerados mais corruptos, num total de 168 Estados analisados. Ficou na posição 163 em ex-aequo com o Sudão do Sul. Atrás ficam apenas o Sudão, Afeganistão, Coreia do Norte e Somália.